Uma década depois, estádio se livrou da fama de elefante branco e é casa de time da série A
Nesta semana completam-se dez anos desde que Cuiabá viveu um dos momentos mais marcantes de sua história: a Copa do Mundo de 2014. No dia 13 de junho daquele ano, Chile e Austrália se enfrentaram na recém-inaugurada Arena Pantanal, na primeira das quatro partidas disputadas na cidade no torneio.
“O Cuiabá só existe por causa da Arena Pantanal. Nós tomamos a iniciativa de comprar o clube por causa da construção do estádio”
Em 2014, nenhum time da cidade disputava as séries A, B ou C do Campeonato Brasileiro ou despertava grande interesse. A esperança era de que a Copa contribuísse para o fortalecimento do futebol local, que agora ganharia um novo templo.
Personalidades que vivenciam o futebol dia a dia não têm dúvida de que a Copa – e a consequente construção da Arena Pantanal – foi um divisor de águas para o futebol mato-grossense. Eles, no entanto, acreditam que ainda há longo caminho a percorrer.
A Arena Pantanal
Construído sob o risco de virar um elefante branco após o evento, o estádio recebeu os jogos mesmo não estando 100% concluído. Aliás, hoje, dez anos depois, a Arena ainda não está totalmente pronta.
No total, a construção do complexo custou aos cofres públicos R$ 628 milhões, sempre com um ponto de interrogação sobre sua razão de existir.
Atualmente, a situação mudou. Depois de alguns anos sem conseguir o retorno esperado, hoje a Arena é, para muitos, motivo de orgulho.
O dirigente Cristiano Dresch, presidente do Cuiabá – único time mato-grossense na Série A do Brasileirão -, conta que sua decisão de comprar o clube veio após o anúncio da construção do estádio para a Copa.
“O Cuiabá só existe por causa da Arena Pantanal. Nós tomamos a iniciativa de comprar o clube por causa da construção do estádio. São duas coisas que estão diretamente ligadas: o Cuiabá e a Arena”, diz ele, recordando a aquisição do time, que antes pertencia ao ex-jogador Gaúcho.
Presidente do Mixto, o empresário Dorileo Leal avalia que a Arena deu à cidade um lugar de destaque nacionalmente.
“Eu vejo que a Arena Pantanal recolocou Mato Grosso no cenário futebolístico nacional, em condições de trazer pra cá grandes competições como amistoso da Seleção Brasileira, jogos de grandes clubes, espetáculos… Temos uma arena padrão Fifa. Representou um alento para o futuro do futebol de Mato Grosso”.
O jornalista Pedro Lima, especializado em futebol, aponta que o benefício não foi somente para o futebol, e sim para o esporte. “[Foi grande] O legado da construção da Arena para o crescimento do futebol em si, mas também [por gerar] muitos empregos diretos e indiretos. Acho que elevou o crescimento do esporte em geral, pois temos ali o complexo com arena de futevôlei, de vôlei de praia, o Aecim Tocantins reformado. Então isso incentivou também a prática de outras modalidades”.
Multiuso, a Arena acolhe ainda o primeiro estádio-escola do país, a Escola Estadual Governador José Fragelli, que atende cerca de 400 alunos; abriga a Secretaria Adjunta de Esporte e Lazer do Estado; uma unidade do Detran; o centro de arrecadação de alimentos do programa Vem Ser Mais Solidário, além de servir de espaço para shows e eventos.
A Arena ainda recebeu partidas da Copa América de 2021 e será uma das sedes da Copa do Mundo da Fifa de futebol feminino em 2027. Em outubro de 2023, pela primeira vez recebeu um jogo da Seleção Brasileira, que empatou em 1 a 1 com a Venezuela pelas Eliminatórias para a Copa de 2026.
“o futebol local não correspondeu ou não respondeu à altura desse grande investimento”
Para os times locais, todos disputando no máximo a série D do Campeonato Brasileiro, com exceção do Cuiabá, talvez ainda falte mais investimentos, como concorda Dorileo.
“Nós ficamos alguns anos com a Arena um pouco inacabada, mas em condições de receber grandes jogos. E mesmo assim o futebol local não correspondeu ou não respondeu à altura desse grande investimento”.
“É natural que também existe uma falha dos times. Os clubes deveriam se organizar melhor, investir mais na sua base, na formação das suas equipes pra tornar o campeonato mais atrativo”, diz o dirigente.
Dresch, do Cuiabá, aponta que o que falta é investimento pensando a longo prazo.
“Começamos no Cuiabá em 2009 e fomos sair da série C em 2018, quase dez anos depois. Então foi um tempo longo. Vejo muito os clubes aqui fazendo investimentos de retorno rápido. E não é assim, as coisas demoram a acontecer”.
“Pelo tamanho da população de Mato Grosso e de Cuiabá, em comparação com outros estados parecidos, acho que a gente está até acima do que poderia. A lição que a Copa trouxe é que futebol só funciona com projeto [a longo prazo], futebol não é algo que te dá um retorno imediato”, encerra.
Apesar da demora nos primeiros anos pós-Copa, para Pedro Lima acredita que o crescimento dos últimos anos tende a continuar.
“A vinda da Copa do Mundo só alavancou e deu uma motivação a mais para quem gosta, para quem pratica e para quem trabalha com o futebol. Em dez anos tivemos um crescimento gradativo muito interessante que acredito que vai continuar por muitos anos”, diz o jornalista, que cobre o futebol mato-grossense há mais de uma década.
Centros de Treinamento
Para abrigar os treinos dos atletas da seleções que viriam disputar os jogos na cidade, foi anunciada a construção de dois COTs (Centro Olímpico de Treinamento): da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e do Pari, em Várzea Grande. Nenhum deles ficou pronto a tempo e pôde ser usado pelas seleções para treino.
O COT da UFMT teve um investimento de R$ 17,1 milhões e foi entregue em janeiro de 2020. O complexo possui capacidade para 1.500 pessoas e uma área de 5,4 mil m², contando com o campo e pista de atletismo.
O COT do Pari, que até hoje não ficou pronto
O legado de uma estrutura como essa passa desde proporcionar o treino de qualidade de novos atletas até a possibilidade de sediar eventos. Em maio deste ano, por exemplo, o COT recebeu o Campeonato Ibero-Americano de Atletismo, com 23 países e 90 atletas.
Já o COT do Pari vive uma situação crítica. Em 2019, quando as obras foram completamente interrompidas, 69% já haviam sido construídas, com o Consórcio Barra do Pari, liderado pela empresa Engeglobal, tendo recebido R$ 21 milhões, dos R$ 31,7 milhões previstos no orçamento total.
Para Pedro Lima, a situação do COT do Pari representa um grande dilema. “É algo que não tem tanta solução, já tentaram até privatizar. Poderia ser usado para o futebol feminino, categorias de base, futebol profissional também, pois temos poucas praças de futebol aqui na Baixada Cuiabana. Mas é mais um gasto do governo que eu acho que tem que ser repensado, é meio complexo”, diz.
A Secretaria Estadual de Infraestrutura informou ao MidiaNews que até o momento 69% das obras foram concluídas e que está sendo finalizado um laudo pericial sobre as condições das estruturas de concreto armado e da cobertura metálica. Só a partir desse laudo que será estabelecido um novo cronograma para que as obras sejam concluídas, em um prazo de 18 meses.
A Sinfra informou ainda que após sua conclusão, o COT será incorporado a uma Academia Integrada das Forças de Segurança do Estado. Quem passa pelo local atualmente se depara com descaso e abandono, uma estrutura tomada pelo matagal e se deteriorando com o passar do tempo.
Pedro Lima avalia que o legado ruim do evento fica mesmo para a infraestrutura, que não foi concluída pois, dentro de campo, o Mundial contribuiu para o fortalecimento do futebol na Capital.
“Acho que a longo prazo a Copa do Mundo e a Arena Pantanal geraram um crescimento muito bom para o futebol mato-grossense dentro desses dez anos. E acho que isso só tende a progredir”.
(Via: MidiaNews)